domingo, 4 de janeiro de 2015

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Todos os dias eu escolhi você. Em todas as manhãs também.
É aquela sensação maravilhosa de que tudo está exatamente onde deveria estar.

Mas e agora, onde está tudo exatamente? 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

No caminho da Dona Esperança

(Escrito hoje, mas vem sendo trabalhado há uma semana.

Terceiro texto da sequência da Jornalista. Primeiro: Entrevista com o Destino. Segundo: As portas da felicidade).

 

Nossa Jornalista dava passos apressados na galeria iluminada, rodeada de vitrines, muitas vazias, procurando as chaves de casa dentro da bolsa, que carregava no ombro esquerdo. Caminhava sem olhar para frente, sabendo que era a única figura atravessando o grande salão, que já fora um grande centro comercial. Até que, involuntariamente, virou a cabeça para o lado esquerdo, reflexo de ter ouvido um barulho de tecido pesado roçando. Nesse relance viu uma figura exótica: uma senhora de cabelos grisalhos até os ombros, ostentando um chapéu verde escuro de abas largas, compondo uma circunferência de largo raio ao redor da cabeça da senhora. O chapéu carregava um arranjo de flores do lado direito e nas bordas das abas um fino e curto véu branco, que deixava transparecer apenas a silhueta de um rosto aparentando aproximadamente setenta anos humanos.

A jornalista parou seu andar, mas continuou com os cotovelos suspensos e os dedos das mãos na abertura da bolsa, boquiaberta a observar e tentar reconhecer aquela interessante figura. Já a conhecia de algum lugar... Reparou no enorme e elegante sobretudo que a senhora vestia, verde em conjunto com o chapéu. A senhora era mais alta que a jornalista, principalmente com seus sapatos de salto, não muito alto, pretos. Parecia também ser mais encorpada, porém o olhar atento, sempre à procura de manchetes, notou que era ilusão causada por um volume que a senhora carregava debaixo do abrigo, abraçando contra seu corpo com o braço esquerdo.

Quase certa de seu palpite a jornalista correu ao encontro da senhora, que andava devagar e cautelosa, na direção oposta à da jornalista, olhando para ambos os lados com desconfiança e de braços cruzados. Disse, com um entusiasmado sorriso no rosto:

- Dona Esperança, a senhora por aqui!

A senhora Esperança, tomada de susto virou-se para a Jornalista. Durante alguns segundos somente a encarou, surpresa, para logo tirar o véu que cobria seu rosto, acomodá-lo com a mão direito sob a aba do chapéu e esboçar um caloroso sorriso em seus lábios pintados de rosa choque:

- Querida! Assim me mata de susto...

- Quanto tempo que não vejo a senhora! – a Jornalista abraçou dona Esperança com carinho. A senhora retribuiu somente com o braço direito, pois o esquerdo continuava mantendo o abrigo fechado e apertado junto ao corpo. A Jornalista deu um passo para trás, olhou no fundo daqueles sábios olhos verdes e arqueou as sobrancelhas.

- Do que a senhora está com medo? Está fugindo de algo? – A senhora esperança apertou os olhinhos em direção a Jornalista e deu um sorriso maroto.

- Muito atenta, você. Não estou fugindo, estou só apressada. Sabe que nesses tempos de violência procuro não me expor e ficar andando por aí, dando sopa. O Amor levou uma paulada na cabeça, lá na Síria e está se recuperando há alguns meses... A Compaixão está cuidando dele e assim que a notícia correu o Perdão e eu decidimos tirar umas férias e andar por lados mais tranquilos, verificar como estão as coisas aqui no continente sul-americano... O único que anda sem descanso e sem medo é o Destino. Você o conhece, não adianta tentar aconselhar...

- Entendo... Entendo tudo, dona Esperança. Fico feliz da senhora decidir nos visitar, mas fico triste da senhora não poder estar onde mais precisam, sabe?

- Eu tentei, jovem, juro que tentei. Mas é tão difícil ficar em um lugar em que todo dia me matam um pouco... É bem difícil eu sobreviver e morar junto com a fome, a pobreza, o ódio. Mas a grande vilã que me atormenta ultimamente é a intolerância.

- Aí estão coisas que nunca quero encontrar. Vou deixa-la ir, então, não devo tomar seu tempo. É sempre muito bom vê-la, dona esperança. Espero que as coisas melhorem para todos nós, não é mesmo? E feliz ano-novo!

- Obrigada, querida. O mesmo para você. Tudo de bom e, se me der licença, preciso partir.

Apressada, a dona Esperança deu um estalado beijo na bochecha da Jornalista e saiu acenando um adeus com a mão direita e com o braço esquerdo contra o corpo, da mesma forma que antes. Tão logo a Jornalista tornou a seguir seu caminho, ouviu um barulho vindo da dona Esperança. Algo como um miado abafado. Virou-se novamente para a senhora e deu alguns passos largos para recuperar a distância que havia surgido entre as duas.

- Ainda não, dona Esperança! Se me perdoa, o que a senhora carrega aí?

A Jornalista disse decidida, com a mão direita sobre o ombro direito da dona Esperança, de forma decidida. Ainda que não fosse para a grande reportagem de sua vida, sua curiosidade não aguentava. E era isso que a fazia uma boa profissional. A curiosidade e a audácia. A dona Esperança virou e suspirou.

- Sabia que estava sendo fácil demais escapar da senhorita... – baixou os olhos, sorriu e caminhou para um banco de madeira próximo. A Jornalista foi atrás. Assim que estavam sentadas, lado a lado, com os joelhos apontados um em direção à outra, a dona Esperança, segurou os pulsos da Jornalista, aproximou o rosto do dela, olhou para os lados e disse em voz baixa, confidenciando:

- Promete que não vai contar para ninguém, minha filha?

- Nunca conto, dona Esperança.

- Pois bem. Olhe só. – com um sorriso divertido a dona Esperança abriu o abrigo. De lá tirou pequenas criaturas peludas e redondas, pequenas como a palma da mão. Várias delas, de várias cores, de pelo macio. Havia certo movimento nelas que fazia perceber que estavam vivas, mas não se via nenhuma característica animal como rabo, patas, focinho ou algo do tipo. Mas eram bem macias e cheirosas.

- Que gracinha, dona Esperança! A senhora está criando Expectativas!

- Sim, querida. Vou espalhar algumas por aí, não posso me ausentar de todo, não? Principalmente nessa época de fim de ano, natal, ano novo...

- Elas são lindas... Mas me parecem um pouco perigosas, não?

- Um pouco. Essas são apenas filhotes, que vão crescer dependendo de quem cultivá-las. Elas podem ficar num tamanho saudável, ou virarem monstros, maiores do que a própria causa deles ou de que seus donos... E aí sim temos um problema.

- Hum... Qualquer um pode ter?

- Pode. Mas deve criar com muito cuidado. Quer uma para você?

Mais uma vez deliciada com as descobertas que fazia desse mundo fantástico, nossa Jornalista não podia dizer que estava surpresa. Depois de ter visitado a casa do Destino, ter tido várias conversas francas com ele e conhecido a Esperança do mundo, ela já havia se acostumado a não duvidar de nada. Não havia perdido sua capacidade de surpreender com o mundo, pelo contrário; estava cada vez mais sensível e impressionada com as particularidades desse nosso planeta e da vida. Mas já não encarava nada com estranheza. Estava sempre receptiva.

- Estou pensando. 2014 está chegando, estou tão... Esperançosa! – riu com a situação. Falar que estava inundada de um sentimento enquanto conversava com o mesmo não era uma situação comum, nem mesmo para ela.

- Pense mais um pouco. Quando estiver pronta você saberá o momento e eu também. É só esperar minha visita. Ufa! Estou feliz de compartilhar esse segredo com alguém!

- E eu de descobrir essa maravilha! Quem diria, eu, cheia de expectativas de outras pessoas. Tão palpáveis...

- Sim. Mas agora, querida, preciso mesmo ir...

- Claro! Agora realmente extrapolei. Obrigada, dona Esperança. Por tudo. – a senhora segurou as mãos da Jornalista entre as suas, deu um caloroso sorriso enquanto olhava nos seus olhos. – Até a próxima. - Soltou, guardou as Expectativas dentro do casaco, abaixou o véu e saiu com seu passinho cauteloso, de braços cruzados, olhando para os lados.

A Jornalista continuou sentada, olhando a senhorinha ir, até sumir no horizonte. Pensou nas tentadoras expectativas. Será que umazinha faria mal?

Pegou o celular e decidiu dar um telefonema.

Veria a dona Esperança bem antes do que as duas pensavam.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A alegria

(Escrito hoje)

Minha mãe, às vezes, me diz que eu estou com um semblante triste.
Não é isso.
É que a alegria que me preenche agora é uma alegria mansa, pacífica e sincera que, assim como um amanhecer de verão, chega bem cedo aquecendo sem fazer alarde. Assim como o sol ela já não precisa de mais ninguém pra vir, só da grande força da natureza e da minha vontade de ficar ou não na sombra.
E eu não quero. Eu quero esse caminhar tranquilo acompanhado por uma alegria sábia e antiga, que existe desde antes de mim e está aí pra ser descoberta, mais cedo ou mais tarde.

Bom dia!

sexta-feira, 29 de março de 2013

Nostalgia


(Agosto/09)

O velho banco de madeira.
As velhas mãos, dadas.
Os sorrisos, já gastos.
A memória, esquecida.
As juras de amor eterno, cumpridas.

De partir o coração


(Esse eu escrevi pra aula de redação. O primeiro parágrafo a professora que deu. Agosto/09)

O jornal estava dobrado sobre a mesa simples. A toalha limpa, a louça branca, o pão fresco. A faca manchada de sangue permanecia em suas mãos.
A cabeça estava confusa e a visão começava a escurecer, aos poucos.
Deu um último olhar ao redor da cozinha mal iluminada, enquanto cambaleava até a mesa. Limpou a faca e os pulsos com a toalha, jogou o jornal no chão, sobre a poça de sangue que se formara. Ao cair, o jornal se abriu na manchete: "Família Moreira desposa filha caçula".
Aos poucos, as letras do jornal ficavam úmidas do sangue, e seus olhos, úmidos de lágrimas, observando a ilustração de uma bela moça, se tingir de vermelho. O seu sangue.
A perda e a dor o fizeram tremer. Pegou o pão e jogou, com raiva, num canto sujo do pobre lugar. Talvez o cachorro o achasse. O cachorro que o fez conhecer o amor de sua vida.
Que agora ia se casar, com alguém tão rico quanto, ou até mais do que ela. 
Ela ia ter o que ele não podia oferecer. Pois seu maior tesouro, ele já havia decidido que seria só dela: seu coração.
O jornal já estava encharcado do sangue que insistia em sair do pulso, escorrer pela mão e cair.
Se sentou no banco que ficava embaixo da mesa e, com raiva, atirou a louça na parede à sua frente, depois, deitou a cabeça com a face esquerda diretamente na superfície fria.
Agora que não tinha mais a dona de seu coração, não tinha porque viver. Ela que ficasse para sempre com dois corações!
Em um raro momento há alguns meses, ele sorriu e fechou os olhos. Era bom pensar que ao menos uma parte sua viveria com ela. Era poético morrer assim, por amor.
Aos poucos, a consciência fugiu, para sempre.
Do outro lado da cidade, só seu coração vivia.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Rotina

(Agosto/09)


E empurrou a porta de sempre, no beco de tijolos vermelhos mal-encarado e sujo como sempre.
Sentou-se à mesa de sempre, pediu o de sempre, e olhou ao redor, a decadência de sempre.
Homens e mulheres solitários, sentados distantes um do outro, absorvidos em seus pensamentos. Vidas e mentes que apesar de não se conhecerem, entrelaçavam suas vidas naquele ponto, exatamente, quase toda a noite.
Talvez, fosse a única coisa que os unia. As luzes vermelhas o forçaram a apertar os olhos para observar os detalhes, o homem que limpava o balcão, o bêbado que contava piadas sem graça, as garrafas de bebidas fracas e fortes, santos remédios para dores emocionais.
A fumaça dos cigarros deixava o lugar ainda mais melancólico e opulento. "Mas não surgiu uma nova lei?" Ele pensou. Mas ali, não haviam leis, regras, obrigações. Ali, era seu refúgio, seu universo particular.
Problemas do mundo exterior não o atingiriam, por enquanto.
Com um doce sorriso nos lábios, tirou o cigarro do bolso e acendeu. A música vinda de uma voz melodiosa, uma "velha moça" no palco, cantando uma decepção amorosa, combinava perfeitamente com a ocasião.
Mundo irônico. Ele fugiu para seu mundo, pois ele mesmo havia levado seu mundo de manhã.
Ela havia dito: ou aquilo, ou eu.
Mas ele escolheu viver para sempre preso na sua rotina.

Passagem definitiva

(Fevereiro/2010. Salvo engano, tive que escrever este texto para algum trabalho de escola. Eu amo todos os professores de redação e português que passaram pela minha vida!)

Sol, passos, quarteirão. Sede, água, exaustão. Parque, banco, vertigem. Coração, aperto, dor. Desespero. Multidão, silêncio, escuro. Branco, hospital. Família, notícia, choro, dor. Velório, choro. Gritos, saudades, choro. Rosas, cemitério, despedida. Susto, confusão, luz. Sol, passos, viagem, eternidade. Passagem definitiva.