segunda-feira, 8 de março de 2010

Caminho de uma pseudo covarde

Com os olhos fechados o mundo é ideal. Mas até quando somos capazes de fechar os olhos pra não encarar a realidade verdadeira?
Escondo-me a fim de prolongar o gosto doce da verdade maquiada, mas logo vem a luz que me força a abrir os olhos e o fel invade minha boca. Enfim vem a voz quase materna de minha consciência e diz com carinho: " É hora de acordar, querida. O mundo está lá fora esperando pra te devorar e eu não posso mais te guardar aqui. Voa logo, antes que o vento mude e a tempestade chegue. Voa querida, mesmo que não queira fugir da tempestade, voa e ao menos treina. Treina pra encará-la de igual pra igual. Querida, as pessoas não são boas, não se engane. O céu está azul, mas logo isso muda e acredite, você quer estar preparada pra isso. Acorde meu bem, já é dia e eu não posso mais te guardar aqui."
Então, vagarosa desperto, com a pele ainda febril de quem dorme, mas ao contrário de minha 'realidade' anterior, o dia não está bonito e o jardim já não tem rosas vermelhas; tudo que se vê são margaridas quase sem cor e um céu nublado com apenas algumas aberturas para o Sol. Está frio e eu me sinto desprotegida. Será esse um novo mundo? Eu não o quero!
Volto a mergulhar nas águas da mente em busca de algum portal que me leve de volta ao meu mundo, mas como já esperava, tudo se foi, só me restam as lembranças... Mas que cruel me deixar aqui com as lembranças! Que as levassem também! De que me servem agora que já fui envenenada com a realidade?
Mas percebo que o tempo não muda embora eu continue tentando voltar à beleza inerte.
Lembro-me de repente do que ouvi da voz acolhedora e percebo que já perdi tempo demais e é preciso andar depressa, antes que o vento mude. Começo a buscar caminhos onde possa andar seguramente e treinar pra essa mudança de tempo que me amedronta, será que consigo? A princípio não acho caminho algum, todos me parecem monstros esperando pra atacar, esperam pelo mínimo sinal de fraqueza, mas eu não os darei o gosto de encontrar o que esperam. Mas então não haverá possibilidade? Não há mesmo como não ser engolida pelo inesperado?
Queria poder voltar, queria o gosto bom, queria o meu mundo, eu odeio isso tudo, quero ir embora, fugir daqui! Não há saída.
Porém, logo ouço um chamado carinhoso, preocupado. Olho e vejo que a margarida me sorri. Vou ao seu encontro e sinto o cheiro bom que ela exala. Por um momento me sinto bem, mas posso me permitir esse sentimento num mundo tão perigoso? A margarida mais uma vez me sorri, me surpreendo ao ver que sorrio também, achava que não podia mais sorrir, não aqui nesse mundo. Ela me abraça e não demora a me apresentar o seu jardim. Ele sinceramente não me parece atraente, não é tão bonito quanto o meu jardim, quero dizer, o jardim que era meu. As flores por aqui não são como as minhas antigas rosas. Mas por hora me conformo e agradeço o abrigo que as gentis flores me oferecem.
A margarida então me surpreende quando me convida a entrar em um dos caminhos que antes me recusei a conhecer por ser tão desconfortável e medonho aos meus olhos. Mas agora, depois de conhecer as flores não sinto tanto medo e o frio diminuiu. Então, resolvo entrar e percebo no chão desse novo caminho alguns gravetos que penso serem úteis para a construção de um novo abrigo. A gentil margarida me ajuda a carregá-los e logo encontramos novos componentes para minha nova moradia.
Pergunto-a sobre a tal tempestade mas ela nada pode me contar.
Voltamos ao jardim e o Sol já brilha no horizonte se despedindo do dia. Percebo que não há mais nuvens no céu. Pra onde foram? Eram tão sólidas quando cheguei...
Deito-me no repouso que me ofereceram as flores mas não durmo. Passo a noite pensando sobre o mundo de onde vim, comparo as flores desse jardim com as flores que possuía. Estranho, as minhas flores não eram tão perfumadas quanto as margaridas do novo jardim, tampouco gentis e amáveis. Minhas flores tinham um ar superior, chamavam-se flores rainhas, eram lindas, mas não eram perfumadas.
O dia amanhece enquanto devaneio. O dia está incrivelmente agradável e por um momento penso ter voltado ao meu mundo. Mas logo me encontra a margarida com seu sorriso acolhedor, engraçado, eu não havia percebido que seu sorriso era tão bonito.
Passamos o dia a explorar os tais caminhos e ao fim desse passeio já recolhi todos os materiais necessários para o meu novo abrigo. Mais uma vez a margarida se mostra prestativa e me ajuda a construí-lo.
Agora em meu novo abrigo, descanso de verdade, durmo, mas não sonho.
O dia amanhece mais uma vez sem nenhum contratempo. Já não tenho medo da tempestade, até duvido que ela chegue. Mas para acabar com a minha onda de positividade aparece um colibri muito amigo da margarida que conta sobre a tal tempestade que se aproxima, mas assim como minha amiga flor, não pode me dar muitas informações.
Num rompante ouço um enorme barulho e algo me diz que a tempestade se aproxima. Olho para os lados e vejo as flores do novo jardim e o colibri. Observam-me com um olhar esperançoso.
Pela primeira vez não sinto vontade de ir embora. Já não quero voltar para as minhas rosas. O mundo que agora chamo de meu está tão bonito, as margaridas perfumadas parecem surpreendentemente saudáveis e o Sol já brilha absoluto. A temperatura é agradável e embora eu não me sinta completa, estou feliz de ter os olhos abertos.
Sinto que a tempestade se aproxima, não sei o que ela me traz. Tenho medo, admito. Mas já me sinto capaz de enfrentá-la. Não tenho mais a ingenuidade de confiar em todas as flores, as minhas rosas, por exemplo, tinham espinhos que me machucavam e eu não podia ver. Entristece-me não ter mais o sentimento do mundo antigo, o sentimento infantil que me fazia ver tudo tão bonito. O jardim é lindo, mas ele tem defeitos e eu os vejo, não é como as flores nas quais via a perfeição. Agora apenas espero pela tempestade e me preparo para enfrentá-la. Mas não quero mais fugir, quero vê-la. Busco o nome do sentimento estranho que parece cada vez mais fazer parte do meu novo mundo, um sentimento que me faz ter vontade de ver a tempestade e que tirou de mim a admiração pelas rosas. Surpreendo-me ao ouvir novamente a voz acolhedora da consciência, a voz que me despertou para o mundo ao qual estou me adaptando e ela me diz: " Vá com calma, minha querida. A tempestade chegará, mas você não precisa temer, as alterações que você fez no novo mundo fizeram a tempestade diminuir sua força e agora já não pode lhe causar tantos danos. Voe e seja feliz."
Ah, quanto ao novo sentimento que anda mudando tantas coisas no meu cotidiano, ele se chama maturidade e vem se mostrando um grande aliado meu, às vezes não me agrada a forma como ele fala comigo, parece rude. Mas já posso ver que não é como as rosas, não me fere com seus espinhos, me fere com os meus espinhos, fazendo-os crescer para que eu não volte a deixar que as rosas me machuquem, mas não se preocupe, tento controlá-los para que não me afastem também da perfumadas margaridas que hoje tem não só um perfume, mas também belas pétalas amarelas. Às vezes machuco as margaridas, ainda não sei usá-los tão bem, mas como quando cheguei nesse novo mundo, elas me acolhem e rapidamente desculpam-me por ser tão desastrada. Tenho esperanças de poder usar de forma certa os espinhos que estou criando, não quero machucar as margaridas. Logo conseguirei controlá-los e usá-los para enfrentar a tempestade, que a propósito, diminuiu mais um pouco.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Margarida!!

Nem preciso falar que gostei neh?!
Florzinha, como sempre dizendo tudo que sentimos e pensamos com grandes gestos e simples palavras.

AMO!

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