terça-feira, 19 de abril de 2011

As portas da felicidade

[Sequência de um texto publicado há muito tempo atrás, "Entrevista com o Destino".]


Andava por um longo, escuro e úmido corredor subterrâneo. Cada passo dado ecoava pelo espaço, fazendo um barulho de jeans encharcado. Estava com água até os tornozelos, mas não se importava. Olhava em volta de si o ambiente tão pouco... confortável.
Era um grande túnel com pouca iluminação. Parecia um esgoto urbano, porém, certo detalhes denunciavam que era algo mais complexo do que isso: ao longo das paredes haviam várias portas, idênticas, com um metro de distância uma da outra. Elas continuavam, sem fim, de ambos os lados até algum espaço que não era possível enxergar, pois mesmo ao olhar para trás ou para frente a paisagem era a mesma e terminava em um ponto escuro.
-Ainda não estou vendo a luz no fim do túnel... - brincou a Jornalista, que andava em um ritmo constante e despreocupado. A mão direta carregava no bolso do casaco, mas na esquerda havia uma coleira, que seguia até o chão, onde estava preso um Coração.
De quando em quando o Coração apontava euforicamente para uma das portas e puxava com força; mas sua guia o freava e o aproximava mais para si. Então o Coração desanimava-se e continuava andando lado a lado com sua dona, que mais uma vez havia se encontrado com o Destino.
-Vai continuar fazendo isso mesmo?
-O quê?
-Carregar seu coração numa coleira.
-Sim.
-O lugar dele não é aí.
-Assim é mais fácil controlar.
-O lugar dele é aqui.- A estranha figura, que caminhava com ela desde o início da jornada colocou a mão do lado esquerdo do peito da moça, onde havia uma sutil cicatriz em forma de fechadura.
-Mas machuca. E ele vai poder mandar em mim. Não suporto quando fazem isso. - Ela revirou os olhos.
-Não é desse modo que se resolvem as coisas. Não dói arriscar. Na verdade ele sente coisas que você nem imagina.
-Deixa assim. Minha cabeça funciona melhor sendo soberana em suas decisões, sem nada nem ninguém para atrapalhar.
-Você pode estar deixando para trás tantas oportunidades que te fariam tão bem... Você não pode continuar fazendo isso: ignorando e fechando as suas oportunidades, suas portas da felicidade!
-Como ele pode saber o que é bom para mim? Não foi assim antes.
-Machucaram você, não foi? - Houve silêncio enquanto andaram alguns metros. - Olhe como ele está, sedento de carinho!
O Destino pronunciou essas palavras enquanto o Coração rodeava sua dona e prendia suas pernas na corda da coleira. Houveram protestos:
-Pare com isso, ora, não consigo me mexer!
-Ele quer você.
-Ele já é meu!
-Mas você age como se ele não existisse. Tente... Por favor.
-Me dê um bom motivo.
Ele sorriu, aquele sorriso que a aquecia e a fazia desacreditar de todas as coisas racionais que conhecia.
-Eu sei o que eu estou falando.
Ela deu um suspiro e soltou a coleira. Então o Coração saiu em disparada, parando alguns segundo em algumas portas. Como um foguete, percorreu vários metros do túnel sem fim até parar em uma porta especifica, mas externamente como todas a outras.
O Destino e ela correram e chegaram ofegantes até o Coração, que dava pulos como há muito tempo não dava. Só de vê-lo assim, a Jornalista sentia-se diferente, mas não admitiria naquele momento.
-E então?- Ele perguntou, sorrindo.
-Obrigada. Mais uma vez.
Com receio ela colocou a mão na maçaneta e girou, lentamente. Uma forte luz saiu por uma fresta e conforme a porta era aberta a intensidade aumentava mais e mais...
Quando foi totalmente aberta, a luz ofuscou os olhos da nossa Jornalista. Mesmo assim, ela deu o primeiro passo através dela.
Afinal, como poderia saber se é bom sem experimentar?

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