Eram quatro e tantas de uma outra tarde. E já que era tarde, era também tarde para ir a qualquer outro lugar.
Era Manuel; que por sua vez era de vinte e tantos de idade e mais uns tantos de altura.
Esperava, como sempre, o ônibus que, como sempre, se atrasara. Mas, como sempre, havia sempre algo a ler em algum lugar de uma mochila que carregava sempre três coisas essenciais: um livro, um guarda-chuva e um agasalho para as esperas de frio.
Não que se permitisse o inusitado, mas também não era tão rotineiro assim. Gabava-se até os últimos fios de cabelo preto dos dias em que, burlando a chatice de uma vida monótona, faltara ao inadiável emprego de operador de telemarketing.
Mas antes que penses mal dos seus valores, é necessário olhá-lo de fato. Explico: Manuel era sozinho. Talvez não de marré deci, porque de marré deci era pobre, mas era sozinho de solidão. Era sozinho de sentimento, o coitado. Era Manuel de algo com Silva e disso sentia orgulho. Minto, não era sozinho. Mas só não o era por ser soberbo.
Já cansado da exclusão da leitura, Manuel – ou Manéco, como sua avó o chamava quando pequeno - decidiu-se por participar da vida; havia pessoas ali e isso devia ser interessante de alguma forma.
E foi olhando cada olho que – como um crime – não o olhava que Mané - como o chamava Cintia, a menina da mesa ao lado – percebeu-se observado.
Eram olhos novos em rosto velho. Era ela saudável, negra e sádica. Eram tantas as marcas daquele rosto e eram tão teatrais as curvas daquela coluna que ali estava ela para a perigosa não-apatia. E aí Manuh – como chamara certa vez uma quase-namorada - aprendeu a desamar.
Desamou aquela mulher como nunca antes desamara alguém. Sentiu repulsa por aqueles braços fracos e por aquela vida que ela vivera. Era ela ninguém, mas era ela a vida que ele não queria tomar nos mesmos goles dolorosos. Manuel, agora único, personificou-se. E quando o fez amou-a como nunca antes amara alguém.
Quis ele ajoelhar-se aos seus pés e pedir perdão pelo que o seu mundo a fizera. Quis chorar com ela as marcas pesadas dos antepassados que ele matou e quis dizer que ‘Agora estava tudo bem’.
Já estavam para lá das marginais e já não importava o estar. Manuel amou com o desamor mais profundo a si mesmo e agora sim nascera.
Era agora sim ser humano.
Manuel tinha agora o mundo nas costas, e não mais nas mãos.
Manuel deu sinal. Sua mãe acenou.
Um comentário:
Noossa mari!! vc que fez?? Parabéns , está muito bom , sério mesmo. como consegues? Queria eu escrever assim, mas enfim, parabéns pelo texto.
P.S. to fzendo um blog com uma amiga minha, depois qdo tive pronto de vdd(só tem um post lá) eu te aviso, mas pode conferir se quiser.
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